segunda-feira, 15 de março de 2010

Poesia e infância - uma apreensão mágica do mundo


Possivelmente, a infância é a legitima idade da poesia. Parece que há, em todo poeta, um gosto vivencial pela infância. Mario Quintana, por exemplo, chegou aos oitenta anos com “aquele espírito de criança ingênua para o mundo”, como escreveu certa vez. Os poemas de Manuel de Barros procuram a “infância da língua”. Não admira que todos os poetas cultivem tamanho apreço pelas coisas da aurora. Talvez porque entendam, todos eles, que há na infância uma impulsão mágica para as coisas. E é disso que é feito a poesia: uma apreensão mágica do mundo.
Parece que até a arte moderna aprendeu as lições da criancice. Picasso, repetidas vezes, disse que sua maturidade pictórica se deve às observações dos desenhos de criança. Paul Klee, por sua vez, disse que, como pintor, queria ser como um recém nascido. Assim, sua arte seria uma expressão concreta do que ainda há de inocente na visão pictórica. O que para muitos parecia formas desfiguradas da natureza era, na verdade, um olhar de criança – mágico – para o mundo.
Mesmo os mitos não escapam à austeridade da infância. Édipo, mito fundamental para a compreensão do homem moderno, diz que é na infância que os traumas do homem começam. E, segundo uma lenda Tupi, o deus sol é sempre um deus criança. Assim, Drummond não se equivocou quando disse que a infância é a mais poética das idades. Nietzsche, pensador primordial da idade moderna, viu o nascimento do seu super homem na imagem de uma criança. O fundamental da infância é, como disse Fernando Pessoa, estar aberta “a eterna novidade do mundo”. E os filósofos? Sim, os filósofos tem também suas virtualidades da infância. Dizem que o autentico filosofar – aquele que começa com o espanto e a admiração das coisas e do mundo – principia na infância. A infância trás tamanho mistério que a psicanálise freudiana não se ocupou de outra idade, ou será de outro evento? É preciso supor a infância não como idade, não como o cronológico, mas como um fato que, de tão irremediável, nos seguirá nos determinando por toda a vida. E a morte significará, pois, não a supressão da vida e, portanto, da infância; mas a afirmação absoluta dela, pois é inevitável que se nasça mesmo que para o nada.

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