quinta-feira, 18 de março de 2010

Na dispersão das horas II

I
Convicção

Sim, eu amo.
Amo puramente tudo que não tive
Amo o que nunca veio
Todos os gestos que não esbocei
A esperança ou desilusão que nunca
Me permitiram
Eu amo. Sim, eu amo todas as promessas
Que nunca me fizeram
Todos os apelos
Todos os cansaços
A vontade de morte ou de vida
(em qual revolução eu lutei?)
Ah, como eu amo! Simplesmente amo
O que nunca senti
Nenhum passo adiante
Nenhuma convicção atrás
Nenhuma letra explicativa
Nada de ordem ou caos
Nenhuma xícara café ou pão
Nada
Eu precisamente amo
Amo este amor assim
Puro e ínfimo
a nada.

II

O que sei de mim é este poema
Tarde e lento
Sem qualquer dilema
Voz ou firmamento.
O que sei de mim não está atento
Tem uma qualquer sede e uma qualquer fome
Não daquilo que consome
Possivelmente do que invento.
O que sei de mim tem por vezes fundamento
Em outras margens pura ilusão
Um pouco simples, tampouco alento
Crua forma configurada no não
O que sei de mim pode ser agradecimento
Longe distante de toda fala
Não serei certo de todo merecimento
De tudo aquilo que cala?



III

Eu queria meu verso assim
Como Quintana espiando um girassol de Van Gogh
E aquelas palavras de encanto jamais acontecidas
Espera contente pelo que não ficou de vir
Um mergulho no mar absoluto de Cecília
Ou prece agradecida

Ao Deus ausente.


Um poema que fosse apenas poema
Que não pudesse ser lido e jamais declamado
Mas que longe, muito longe, já o ouvíssemos.

IV


As coisas que eu amei na aurora eu as quero imperecíveis
Porque amei na infância vontades incondicionais.
Quero perecer entre incertezas
De coração vazio e mãos desesperadas no acaso
Porque, sobretudo, quero falar pouco e sentir muito
Na sabedoria de ouvir as coisas longínquas
Incertas como os amores incondicionais de minha infância.


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