segunda-feira, 6 de setembro de 2010

CAOS QUE GERA

De certo modo todo fazer artístico é, no fundo, uma espécie de desconstrução, de demolição...É preciso, para o artista, um dado momento de brusco caos e desordem das intenções precedentes à obra para que a obra nascente seja uma realização de vida e da vida...Por mais metódico que pareça um artista ou seu estilo estético, o que há na verdade é um conjunto de contingências e coincidências sem as quais uma obra não se gera...Nem tudo que é desordem é caos; nem tudo que é caos deixa de gerar obras...Existe, pois, uma desordem construtiva. No fazer da arte não é possível o não-devir. E o devir é por princípio tudo aquilo que supõe a desconstrução ou a demolição de algo que já se sucedeu, pode ser uma idéia, uma teoria estética ou mesmo uma convicção de vida. A verdade é que a arte é anárquica. Não pode se sujeitar a hierarquias tão prontamente estabelecidas. Assim, todo o Ser da arte é, a rigor, uma vanguarda. Está sempre na busca do extemporâneo. Um pintor joga com a coincidência de cores, com o caos cromático, com a desordem austera e limpa da tela em branco. Um quadro é a articulação da desordem interior e psicológica do artista com a desordem exterior e objetiva do mundo do artista. Pinto porque tenho caos, porque sou caos, porque, no mundo objetivo, até a mais austera das correntes estéticas nasceu e sobreviveu segundo uma torrente de acasos – históricos, sociais, estéticos – pinto, então, porque não vejo sentido algum em pintar.

domingo, 5 de setembro de 2010

RETRATO III


De todas as formas de burlar o tédio, a mais sublime é, sem dúvida, o exercício estético. Hoje, pela manhã, andei querendo vencer o já habitual tédio de domingo. Resolvi, pois, pintar. Pensei, a princípio, em algo abstrato, espontâneo, que me traduzisse, de modo enigmático, as fúrias e as angústias de não ter o que fazer. Rabisquei algumas folhas e nada de concreto se fez, mesmo querendo o abstrato. Parti, por fim, para o figurativismo. Há muito pensava na figura de um homem com óculos, e que fosse pintado sem esmero, com linhas tortas, aparentando inexperiência do artista. A escolha das cores foi, no entanto, casual. Tinha apenas a idéia prévia da figura, mas as cores foram surgindo de modo espontâneo, sem interferência do já planejado. O resultado é este aí. Eu o chamei de Retrato III, pois já havia esboçado outros dois.