sábado, 18 de dezembro de 2010

POEMA

Do lado de dentro
não há avesso

um poema finda-se
e não há começo

eu te compro
e não há preço

tu me tens
e não há apreço
Quem sabe
a poesia

possa um dia

não ser verbo
vento
alento

agonia

seja então
assim

um sim

de qualquer
sinfonia

COTIDIANA

A

Cumplicidade
dos

fatos
não anula
a culpa

dos

atos

sábado, 4 de dezembro de 2010

...Momentânea I




...E há dias em que a lógica de tudo é tão privada e ausente que somos impelidos, mesmo involuntariamente, a não ver sentido em nada...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

CAOS QUE GERA

De certo modo todo fazer artístico é, no fundo, uma espécie de desconstrução, de demolição...É preciso, para o artista, um dado momento de brusco caos e desordem das intenções precedentes à obra para que a obra nascente seja uma realização de vida e da vida...Por mais metódico que pareça um artista ou seu estilo estético, o que há na verdade é um conjunto de contingências e coincidências sem as quais uma obra não se gera...Nem tudo que é desordem é caos; nem tudo que é caos deixa de gerar obras...Existe, pois, uma desordem construtiva. No fazer da arte não é possível o não-devir. E o devir é por princípio tudo aquilo que supõe a desconstrução ou a demolição de algo que já se sucedeu, pode ser uma idéia, uma teoria estética ou mesmo uma convicção de vida. A verdade é que a arte é anárquica. Não pode se sujeitar a hierarquias tão prontamente estabelecidas. Assim, todo o Ser da arte é, a rigor, uma vanguarda. Está sempre na busca do extemporâneo. Um pintor joga com a coincidência de cores, com o caos cromático, com a desordem austera e limpa da tela em branco. Um quadro é a articulação da desordem interior e psicológica do artista com a desordem exterior e objetiva do mundo do artista. Pinto porque tenho caos, porque sou caos, porque, no mundo objetivo, até a mais austera das correntes estéticas nasceu e sobreviveu segundo uma torrente de acasos – históricos, sociais, estéticos – pinto, então, porque não vejo sentido algum em pintar.

domingo, 5 de setembro de 2010

RETRATO III


De todas as formas de burlar o tédio, a mais sublime é, sem dúvida, o exercício estético. Hoje, pela manhã, andei querendo vencer o já habitual tédio de domingo. Resolvi, pois, pintar. Pensei, a princípio, em algo abstrato, espontâneo, que me traduzisse, de modo enigmático, as fúrias e as angústias de não ter o que fazer. Rabisquei algumas folhas e nada de concreto se fez, mesmo querendo o abstrato. Parti, por fim, para o figurativismo. Há muito pensava na figura de um homem com óculos, e que fosse pintado sem esmero, com linhas tortas, aparentando inexperiência do artista. A escolha das cores foi, no entanto, casual. Tinha apenas a idéia prévia da figura, mas as cores foram surgindo de modo espontâneo, sem interferência do já planejado. O resultado é este aí. Eu o chamei de Retrato III, pois já havia esboçado outros dois.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

ATELIÊ


Pois bem, também sou pintor. Mais por devoção do que por competência. Mostrarei meus quadros neste blog; assim, além de me expor como verbo, palavra-imagem, também me desnudarei em cores, linhas, traços abstratos, figurativismos. Eis, pois, meu Ateliê.

- Este quadro chama-se Estranhamento em Azul. É acrílica sobre tela.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Resíduo II

II

Tenho em mim vontades inadiáveis. Por muito desejo tudo o que é intempestivo, longínquo, galgado apenas a tempos imagináveis. Tenho, pois, vontade de tudo o que é futuro. O para sempre, porém, me parece de uma morbidez de crepúsculo. Não sei, talvez haja em mim o fluxo horrendo da existência, que não cessa, dia a dia, de perecer. Tenho vontade do amanhã. E sinto isso nos movimentos de meus poros, em meus pelos em progresso, nas unhas a crescer, na saliva a desfazer-se, nas toxinas dispersas diariamente. Vejam as roupas. As vestes têm uma peculiaridade toda austera. Cobrem a nudez, disfarçam o que há de mais imperfeito e natural. Sim, a nudez é uma imperfeição de margem. Talvez a nudez do espírito, todavia, seja mais obscena do que a da carne. O espírito não se desvela, revela-se apenas na gratuidade do desfazer-se. É preciso saber que a nudez é a originalidade do Ser. Só o Ser é desnudo de convicções. A nudez limita. Por certo a historia da roupa é a historia da vontade do homem de desfazer-se de sua imagem de Ser.

Resíduos

O QUE ME TORNA

O que sou, e o que desejo tornar-me, é por certo uma tarefa de construção diária. É verdade que nenhum homem constrói a si mesmo sozinho, tampouco é construído passivamente. O que sou, portanto, é justamente o que me permiti ser, projetando-me dentro de minhas circunstâncias possíveis. O importante, como disse Sartre, não é o que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós. Felizmente tenho alguns mestres. Espíritos livres que construíram uma existência autêntica. Aprendi mais com Nietzsche e Deleuze sobre o mundo e o homem do que com credos e religião. Percebei, lendo Fernando Pessoa, que a realidade é imensa e que somos do tamanho do que vemos. Saramago e Graciliano Ramos me ensinaram mais sobre o social do que a Sociologia Política. Van Gogh me mostrou a incomensurável grandeza de acreditar no talento.

sábado, 14 de agosto de 2010

POEMA PARA ANARA INCONSEBÍVEL

Amei Anara mais do que a todos os homens
Roguei a Deus pedi ao diabo desacreditei
Escrevi odes salmos epopéia bilhetes suicidas
Amei Anara na solidão de uma praça
Bebi, não resignei caminhos tortos
Perdi o bonde –
(meu deus não existe mais bondes)
Amei Anara nos tombos.

Mas que tolice!
Anara é uma conjetura
(E quais amores não o são?)

sábado, 17 de julho de 2010

Dias Anoitecidos

Por certo hoje amanheci crepusculado. Tem dias que é assim, a gente amanhece anoitecido. Talvez porque toda a existência seja, em verdade, uma longa noite, intervalada por alguma fresta tímida de sol. A verdade é que a escuridão é bem mais extensa que a luz. Quem sabe eu fique aqui, na cama, observando, passivo, a vida lá fora. Quem sabe ouvir música, ler um livro, preparar um café. Quem sabe eu não faça nada, e fique assim, como estou, inerte e puro, imóvel em minha noiticidade. Mas não acenderei a luz. Já disse, não acenderei a luz. Embora seja manhã, faz escuro em meu quarto. As sombras nas paredes formam estranhas figuras. Busquei imaginá-las, supô-las, buscar algum traço reconhecível, à maneira de como fazemos com as nuvens. Por um momento tive a impressão de que eram monstros, aqueles que permeavam meus medos ingênuos de quando eu criança. Pensei em pessoas distantes. O que andará fazendo a tia do primário? A merendeira da creche. Meu avô que jamais conheci. Há certamente muita angústia ver pessoas anônimas. Elas parecem tão distantes e disformes. Tímidas ou evasivas formam uma massa heterogênea na multidão. As filas, as estações de trem, os comícios, insinuam anônimos imprevisíveis. Haverá algum terrorista? Um pedófilo, um deputado, uma prostituta. A massa nivela a moral. Como não ter piedade de todas aquelas faces anoitecidas? Sim, anoitecidas como a minha agora, pensando tudo isso. As pessoas anônimas assemelham-se às sombras que minhas paredes revelam. Julguei que todas elas estavam aqui, no quarto, fazendo mais sombra. Mas em dias anoitecidos é preciso solidão. Uma solidão necessária, tal como a do parto, ou da morte. Afinal, chegamos ao mundo do mesmo modo que partimos: sozinhos. E sozinho, anoitecido, acordei hoje. Juntarei as pálpebras e dormirei, resoluto que acordarei a noite, amanhecido.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Todo Escritor é um Labirinto





Jorge Luis Borges tinha razão. É preciso espelhos, máscaras, labirintos. Qual escritor nunca se perdeu nesse ínterim? Esta tríade profana das lucubrações literárias permeia a alma mais sutil de todo homem que se atreve a arrogância mística de compor palavras. Compor verbo é supor a perda de sentido. Sim. Primeiro escrevemos, depois significamos. O significado, todavia, é sempre objeto ausente. A semiótica é inútil. A hermenêutica falha. Todo devaneio verbal é justo se a palavra – verbo carnificado - supor a perda de caminho. O caminho-sentido, o caminho-espelho. Todo escritor, por certo, não escreve para encontrar a si mesmo. A palavra só horizonta o indefinido. É para esquecer de si mesmo que o homem escreve. Toda a literatura é um apelo ao esquecimento. À desmemoria. – Autopsicografia? Fernando Pessoa tecia o esquecimento de si. Há, pois, entre a literatura e a memória uma antiga inimizade. A palavra literária nutre-se do esquecimento, do silêncio, da mudez que precede cada poema, cada conto, cada romance, toda interlocução. É preciso espelhos, máscaras, labirintos. O espelho não supõe a reprodução de minha imagem. Isso é engano. Supõe, no fundo, a falsificação de mim mesmo. Uma falsificação dupla, plural. O objeto refletido não sou eu; como também não sou eu a matriz do reflexo. Do mesmo modo, minha literatura-espelho não me reflete. Meu verbo nada diz de mim. Antes, supõe a falsificação de meus dramas, de minha finitude, de minha carne. Não obstante, meu verbo é verdadeiro. Eu escrevo como um espelho, me desfaço como uma máscara e me mostro, sim, como um labirinto.

domingo, 4 de julho de 2010

...Do lado de dentro não há avesso...

sábado, 1 de maio de 2010

Pessoa - O Eu múltiplo


Lembro que o primeiro poeta que me dispus a ler foi Fernando Pessoa. E isso marcou-me consideravelmente. Sentia-me impelido às suas paginas, aos seus poemas, aos seus dramas, mesmo verbais. A multiplidade de “eus” pessoanos me instiga sempre. Talvez por saber que nenhum homem é uno, único, heterogêneo em si mesmo. O que chamamos de “eu” é, na verdade, um mosaico de sensações, de experiências, de dramas, de acasos...um ensaio permanente...Fernando Pessoa foi o mais fingidor dos poetas e, por isso mesmo, tão autêntico. Sua Autopsicografia é toda uma litaratura. Aliás, Fernando Pessoa é uma literatura toda. Não obstante a dor fíctia, o “eu” fíctio, o drama fíctio, a poesia pessoana é das mais sinceras em matéria de existência e sensação. Uma vida inteira dedicada à experiência poética. Pessoa me torna múltiplo, significativamente outro. Todavia sempre um outro em mim. Muitas vezes, só me sinto pessoa no Pessoa. Este Pessoa em minha pessoa me custa o mistério das coisas. O mundo tem fatalmente um drama múltiplo. Um drama que eu – múltiplo – me findo em variações de mim e de minhas perspectivas. Sou portanto um acaso...mas um acaso múltiplo, cheio de fatalismos...mas fatalismos múltiplos, devir intenso de mudança...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Palavra como Silêncio


Há uma dimensão sagrada na palavra: ela supõe o silêncio. Escrever é buscar a voz alguma da escrita, o que jamais pode ser dito, e o dito torna-se sempre o intraduzível. Todo poema fracassa. Todo conto incidi uma derrota, a lástima da língua é o romance. Para que serve a Literatura? Para promover silêncios. Para fundamentar o não-dito. Não há outra função originária para o escritor: ele frustra a língua. Assim, nenhum escritor tem voz. Talvez o que possamos supor como berro, grito, rufo da voz seja, em verdade, tímido ruído de algum verbo. Todo escritor é abstrato. E não seria exagero supor que sua existência é a ficção de algum verbo, de alguma palavra, de alguma língua que, por sua vez, também é ficcional. Silenciar a língua, o corpo, as nódoas da carne e da alma. Silenciar o orvalho, o acrobatismo dos bêbados, as desilusões da infância. Silenciar a rua, a brisa, a bruma, as suposições, todas as fomes. Silenciar também as formas. Todas as estéticas. Silenciar o silêncio. Toda palavra é túmulo. Todo escritor é lápide.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Poe(MITO) II

Mais do que a morte
É preciso a vida
De existir em morrer

Poe(MITO) I

Há em todo homem
Uma dupla solidão:



a de existir
– vida nunca concebida


a de morrer
– vida nunca conseguida

terça-feira, 6 de abril de 2010

Clichê-reverso I I

A alma não vale a carne, a carne não tem eternidade, a carne tem intensidade...

Clichê-reverso I

É preciso, muitas vezes, um certo desconhecimento de si mesmo para suportar o peso de sermos o que somos...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Idílio para M.B.

Qual poema eu te escreverei
Por entre os mitos do amor e as palavras do ocaso?
Por onde encontrá-la entre ramos de absinto
E relvas imemoriais?
Longe do peso das coisas e das mágoas
Convive
A colher rebanhos
E pássaros já são morada em teus ombros
E tua sombra é sempre a hora que me resguarda
E de teu ventre fecundam madrigais
E de teus olhos belos idílios...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Deus está morto?


Me parece uma arrogância ingênua das ciências humanas proclamar, hoje, a morte de Deus e a obsolência da religião, sobretudo no Brasil. O que percebo, nos diversos seguimentos políticos e culturais, é ainda a deflagrada influência da religião sobre os fatos sociais. Por isso creio que a constatação da obsolência da religião nas sociedades modernas tornou-se, por fim, um lugar-comum das ciências humanas. Os intelectuais brasileiros – e principalmente os europeus – habituaram-se ao comodismo das suposições teóricas que postulam Deus como um dado superado nas circunstâncias sociais e políticas do homem de hoje. Deus não é mais uma questão passível de análise e questionamento visto o fato constatável de sua decadência e seu esquecimento no mundo do capitalismo avançado. Há, portanto, hoje, por parte dos filósofos, um certo silêncio, uma espécie de indiferença confessada com a questão de Deus. Deus tornou-se um saudoso artefato folclórico. Há, evidentemente, razões históricas para isso. A modernidade Ocidental nasceu sob a égide do secular. A ciência experimental questionava a teologia. Copérnico e Galileu contra Aristóteles e Ptolomeu. Descartes contra a Escolástica. O subjetivismo secular da modernidade contra o holismo cristão da Idade Média. Por certo o sujeito secular e a ciência experimental são noções caras à religião e, em especial, ao cristianismo. Os Iluministas postulavam a supremacia da ciência, da razão e da política como orientadoras das ações humanas no mundo. No século XIX, Feuerbach antropoligizou a teologia. Deus, na verdade, é um dado humano. Nietzsche proclamou a morte de Deus, a superação da moral platônico-cristã. Marx afirmou a superação da religião como conseqüência lógica da superação da histórica dicotomia de classe. De certo modo, o que perdura, hoje, sobre a problemática de Deus, segue essas postulações. O irônico é que os ateus ingênuos usam essas postulações quase que como credos, incontestáveis, indiscutíveis... Dogmas às avessas! Deus está morto? A religião tornou-se mesmo algo caduco? Folclórico? O homem contemporâneo é realmente secular? O Brasil é um país que desconsidera a questão de Deus? Creio que não. Não julgo que as postulações de Marx, Nietzsche e Freud sejam, ao todo, irreais. O que considero é que as circunstâncias históricas mudaram. Hoje, a religião mudou, assumiu outra roupagem, outros modos de atuação no social, outras características de dominação do imaginário – embora, ontologicamente, os fundamentos permaneçam os mesmos. Todo o social contemporâneo brasileiro é permeado da influencia da religião sobre os acontecimentos na política, na moral, na estética, na ciência. Os embates das pesquisas das células-tronco, a polêmica da liberação do aborto, o casamento homossexual, a clonagem de seres vivos, os confrontos éticos e políticos no oriente médio, são algumas questões irresolutas que demonstram o peso da religião como propulsora das questões sociais no Brasil e no mundo. Todos os ataques terroristas são justificados segundo a mórbida lógica maniqueísta do bem contra as forças do mal. Da religião verdadeira e santa, contra os hereges. No caso do Brasil, a religiosidade ainda é imensamente imperante no imaginário social. Padres, pastores, cantores cristãos, são verdadeiros ícones da cultura pop. Há um crescimento considerável de vertentes espirituais não-cristãs como o Budismo e o Islamismo. Mas o Cristianismo ainda monopoliza o cenário de influência. E o que é pior, o seguimento que mais cresce no Brasil é o neopentecostalismo. Fundamentalistas, fideístas, os neopentecostais assumem grande parte do cristianismo atuante no Brasil. Por certo a mídia é o grande instrumento de influência e dominação das igrejas neopentecostais e, também, católicas. A Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo; a Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares; a Igreja Renascer em Cristo, de Estevam Hernades e, agora, o novo fenômeno do fideísmo no Brasil, a Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdomiro Santiago, constituem verdadeiros fenômenos de religiosidade cristã. Prometendo milagres, curas, prosperidade financeira e até ressurreição, essas igrejas configuram-se em verdadeiros impérios econômicos. É indubitável a influencia da igreja cristã – católica ou protestante – nas resoluções do Estado no Brasil. Nossa moral não é, e jamais foi, uma moral laica. O ateu ainda representa, no imaginário brasileiro, o homem sem valores, descrente, sem esperanças. Assim, diante de excessivas evidências, há mesmo como supor a morte de Deus? Há mesmo como postular a obsolência da religião? Há muito desconfiei que a morte de Deus e a obsolência da religião são fatos constatáveis apenas para filósofos, sociólogos, cientistas sociais. Para o povo, a massa, a coletividade, Deus está vivo, atuante. E segue, ativamente, sua lógica da influência, da interferência no mundo humano. Sim, Deus não está morto. A religião é a mais atual das forças ancestrais do imaginário humano. Assim, creio que torna-se necessário um ateísmo crítico, engajado, militante, que considere a urgência de uma nova análise do fenômeno religioso na sociedade contemporânea.

terça-feira, 30 de março de 2010

Soneto para a mulher desejada

Mulher! Chegas em sedutores mantos;
Dá-me tua libido no gozo exaltado.
Vem! Oferta-me o fluído demasiado
Dá-me esta dádiva; que já destes a tantos!

É a formosura que me excita - admirado!
Ah! Mulher, não te permitas que os prantos
Venha arrefecer o seio desejado
Que meu pesar contempla em orgíacos cantos.

Mulher! Do amor me ofertas a taça
No teu corpo esculpido – que lânguido leito -
Vem; que não deixe o tempo jogado fora...

Que importa se a hora esvoaça?
Basta que tu me satisfaças direito:
Anda, mulher, liberta teu gozo agora!

Elegia para a morte

Um dia quando a morte me vier, eu penso:
Quero estar puro e inexorável como alguém que espera
Exausto o retorno da amada desfalecida, alheia
Dos gestos e das sombras em cujos rastros nada há
Senão a lição do fim.

Ou como a orfandade livre de uma criança desesperada
Certa do acaso e do nada.

Mas quando Ela vier repousar eterna

sobre minha carne efêmera
Quero estar lívido e inefável
Com o último gesto ensaiado na simetria obscura
De minha sombra desolada

O último verso inacabado
O banho tomado e as mãos na espera
O último sulco e o peso dos gestos no lençol
A roupa e as mágoas limpas
Com a vela e a esperança acesa
Para o adeus absoluto desta morte insepultável.

domingo, 28 de março de 2010

Jean-Michel Basquiat: Intensidade e primitivismo intelectualizado na arte contemporânea
















No cenário artístico dos anos 80, Jean-Michel Basquiat representou uma verdadeira profusao pictórica. Artista negro, surgiu em meio ao caos e a descrença na pintura, em uma época que se considerava pós-artística, que proclamava a morte da arte. O Minimalismo e a Arte Conceitual desconcertaram a arte contemporânea ao postularem, cada um a seu modo estético, o fim do ato pictórico e extinção do artista como instância primordial para uma arte subjetiva, pessoal, que supunha o gênio criador e a obra advinda apenas como expressão exclusiva desse gênio. A arte moderna rompia padrões, criava uma expressão pictórica hermética, considerando sempre a obra como expressão máxima de um espírito artístico genial. A arte tomava partido, servia como discurso político, contestava e lutava contra as mazelas da sociedade burguesa, econômica e existencialmente. O Expressionismo Abstrato foi o ultimo movimento, antes de Basquiat, a postular a subjetividade como instância fundamental para a ação pictórica. Através da pintura de ação, os Expressionistas Abstratos contestavam os fatos do mundo, do homem, da arte, de si mesmos. O movimento da Pop Arte, geração posterior à de Pollock, mudava radicalmente a orientação da pintura. Ao mesclar elementos da sociedade de consumo com a arte, ao levar a arte de volta ao grande público, ao valorizar artisticamente o que era considerado vulgar e sem expressão artística, ao demonstrar que o artístico pode ser qualquer coisa, basta que o objeto seja projetado com arte, Warhol e companhia imergiram o mundo da arte em uma perspectiva totalmente nova. Mas produziu também uma crise, uma espécie de crise de identidade da arte. O Minimalismo foi um movimento frio, impessoal, rígido em suas formas. A Arte Conceitual desmaterializou a arte, desmistificou o artista. Jean-Michel Basquiat surge nessas circunstâncias. Filho de Gerard Jean-Baptiste Basquiat e Mathilde Andrada, de origem portorriquenha. Era filho de uma família de classe média alta. Aos dezessete anos, em 1977, Basquiat começa a fazer grafites em prédios abandonados em Manhattan. Com um amigo, Al Diaz, criou o projeto SAMO (same old shit). os conteudos dos grafites eram mensagens politizadas, que contestavam valores burgueses. “Em 1978, Basquiat abandonou a escola e saiu de casa, apenas um ano antes de se formar. Mudou-se para a cidade e passou a viver com amigos, sobrevivendo através da venda de camisetas e postais na rua.” Basquiat sempre se mostrava como um homem inquieto, contestador, buscando sempre uma forma de expressão que lhe permitisse expor, atraves da linguagem da arte, seus medos, sua critica, sua visao de mundo. Contudo, “Basquiat começou a ser mais amplamente reconhecido em junho de 1980 quando participou do The Times Square Show, uma exposição de vários artistas patrocinada por uma instituição de nome "Colab". Em 1981, o poeta, crítico de arte e "provocador cultural" Rene Ricard publicou um artigo em que comentava sobre o artista. Isso ajudou a catapultar de vez a carreira de Basquiat internacionalmente. Nos anos consecutivos, Basquiat continuou a exibir sua obra em Nova yorque ao lado de artistas como Keith Haring e Barbara Kruger. Também realizou exposições internacionais com a ajuda de galeristas famosos”. A arte de Basquiat é denominada, pela maioria dos criticos de “primitivismo intelectualizado”. Ele pinta formas primitivas, figuras entrecortadas, assimetricas, sempre coadunando uma espontaneidade subjascente a açao de pintar. “retrata personagens esqueléticos, rostos apavorados, rostos mascarados, carros, edifícios, policiais, ícones negros da música e do boxe, cenas da vida urbana, além de colagens, junto a pinceladas nervosas, rabiscos, escritas indecifráveis, sempre em cores fortes e em telas grandes. Quase sempre o elemento negro está retratado, em meio ao caos. Há também uma dessacralização de ícones da história da arte, como a sua Mona Lisa (acrílico e óleo sobre tela) que é uma figura monstruosa riscada no suporte”. Basquiat significou, nas circunstancias da pintura nos anos 80, uma atitude de vanguarda e uma visão política do mundo, de certo modo engajado nas formas de pintar que significasse a urgência do retorno da figura do artista engajado e original. Embora consumido e usado como marketing, como fonte de lucro dos marchands, Basquiat foi um ícone da originalidade da pintura no final do século XX. A cor e o traço de Basquiat são permeados por uma visão de mundo que não remete e não permite a mera linearidade de analise. Basquiat é a própria expressão da pintura furiosa e sublime, ingênua e crítica, espontânea e engajada. Basquiat foi um artista da intensidade. Intensidade da cor, da figura, da expressão, da vida. Viveu uma carreira meteórica, intensa, e uma vida igualmente intensa e não comparável. Morreu, aos 27 anos, em 1988, de overdose.

Michel Onfray e a contra-história da filosofia




Michel Onfray - embora seja um pensador polêmico com seu ateísmo militante e seu empreendimento teórico que busca "revisar" a história da filosofia - ainda é visto com reservas por muitos intelectuais. Conhecido como "enfant terrible" no cenário do pensamento europeu das últimas décadas, divide opniões nada suscintas. De mero agitador à esperança das novas gerações, Onfray não passa mais despercebido. Onfray é contemporâneo de uma geração de pensadores - notadamente francesa - que buscavam, no cenário da crise das concepções da modernidade Ocidental, "restaurar" ou "revisar" a postura da filosofia no mundo. Na verdade, as décadas de 60 e 70 são bem agitadas para a filosofia francesa. M. Foucault, G. Deleuze, J.F. Lyotard, J. Derrida, entre outros, são responsáveis por uma reavaliação do que até aqui se buscou ententer por filosofia. É bem verdade que as últimas décadas do século XX necessitavam de uma reviravolta, não só no âmbito filosófico, mas social e estético. No que conserne propriamente a filosofia, noções como "filosofia da diferença", "desconstrução", "risoma" permeiam as produções filosóficas desde então. Não é dificil, pois, prever quais as posições diletantes dos pensadores da nova geração. O mérito de Onfray não está na posição teórica de seu ateísmo militante, ou "ateísmo positivo". Com posições que despensam, a priori, qualquer pretenção de originalidade, seu Tratado de Ateologia é um livro interessante, no entanto, mediano e com uma mensagem convencional. A real contribuição de Onfray, porém, se dá em outro âmbito. Com uma concepção batizada de "contra-história da filosofia", Onfray busca reanalizar a história da filosofia Ocidental que, para ele, foi cunhada sob uma égide excludente e carente de crítica. Para Onfray, assim, a história da filosofia deve ser repensada criticamente; até aqui o que determinou o modo de ser e pensar a história da filosofia foi uma visão idealista-platônica coadunada com um certo conservadorismo herdado das concepções do período filosófico cristão, como a patrística e a escolástica que privilegiam, principalmente, Platão e Aristóteles. Assim, muitos pensadores autênticos foram excluídos das grandes sistematizações dos compêndios de filosofia e, o que é pior, foram marginalizados. o projeto filosófico de Onfray busca refutar esse erro histórico. Privilegiando os "pensadores esquecidos" da tradição (tais como os Cínicos, os Cineraicos e os Libertinos) O jovem filosófo francês propõe um detalhado inventário dos filosófos esquecidos; monstrando, com efeito, a importância de cada "tendência" esquecida para a fundamentação da disciplina filosófica. Esse novo pensamento sobre antigos olhares filosóficos é fundamental para a consciência filosófica do século XXI. Estamos, sem dúvida, num novo limiar de uma consciência global nos diversos campos sociais. No que diz respeito à filosofia, às novas mentes filosofantes fica a liberdade (embora não menos confusa que outrora). precisamos, como disse Deleuze, de nomadologia, em vez de uma história. O empreendimento de Onfray é dividido em dez volumes. "As sabedorias antigas" primeiro volume da série, acaba de ser editado no Brasil, pela Martins Fontes. Esperaremos, pois, às demais edições. Mas que não assistamos passivos a este empreendimento já fundamental para a compreenção do que virá no campo da historiografia filosófica.



sábado, 27 de março de 2010

Jean-Paul Sartre e o homem existencialista




Jean-Paul Sartre é, convictamente, o filósofo mais representativo do existencialismo. Nenhum outro pensador assumiu, de modo tão engajado, os prenúncios vivenciais e estéticos do movimento existencialista. Encarnou para si a imagem do homem livre, militante, engajado na existência. Fundando sempre seus atos na inadiável liberdade, sabendo que, no fundo, só há um modo legitimo de circunscrever a liberdade: jamais podendo deixar de ser livre. Ele criou sua essência, existindo. Assumiu a urgência de cada engajamento vivencial. A “existência precede à essência”. Aliás, esse prenúncio é fundamental para caracterizar as correntes existencialistas. O que significa, todavia, dizer que e existência precede a essência? Ora, para Sartre, o homem é o “nada que vem ao mundo”, quer dizer, nada há precedendo a existência do homem que possa defini-lo antes de seu engajamento vivencial. Não há, pois, nada a priori a definir o homem. Nenhum caráter cuja essencialidade o possa defini-lo como algo dado para sempre. Não há Deus, não há natureza humana. Sartre rejeita toda a crença em Deus e, também, em uma natureza humana. Assim, ele apresenta um existencialismo ateu. Sartre diz:


O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem, ou como diz Heidegger, a realidade humana”.


Sartre prenuncia que o homem primeiramente existe , com o tempo, torna-se alguma coisa, quer dizer, adquire sua essência. A essência humana – ou a natureza humana – só aparece como recorrência da existência do homem no vivido circunstancial, engajado nas ações inalienáveis da construção de si mesmo. Para Sartre, no homem, a existência precede a essência porque ele é originariamente livre. A liberdade advêm do nada que obriga o homem a construir-se, a forjar-se, a projetar-se, no lugar de apenas ser. O homem sartreano não é, mas torna-se constantemente. E torna-se no principio subjetivo, vale dizer, ele e só ele é responsável pelo que escolheu ser e, por isso, por tudo o que faz. Sartre explica que “o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: esse é o primeiro principio do existencialismo”. Porém, para o existencialismo sartreano, a liberdade torna-se uma sentença, um peso, uma obrigatoriedade porque não há nada que a fundamente senão a emergência do vivido, do existente, da ação engajada. Deus não existe. Não existe também natureza humana. Nada há que determine o homem de modo fatalista. O que resta, pois, ao homem? O nada e a necessidade existencial de construir a si mesmo. O homem, portanto, está sem desculpas. Assim, o homem projetando a si mesmo, porque não há nada anteriormente a ele, a liberdade aparece como algo inadiável. No entanto, a liberdade não é uma dádiva. O homem não conquista ou não escolhe a liberdade. Ela, a liberdade, é o que o constitui como homem. A liberdade é o fundamento do ser.


“com efeito, se a existência precede a essência, nada jamais pode ser explicado por uma referencia a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade”.


Sartre postula que o homem está condenado a ser livre. Condenado, sim, porque não criou a si mesmo e, uma vez livre, é responsável por tudo o que faz. Por estar lançado no mundo, sem desculpas, condenado a construir a si mesmo, autor concreto de seu destino, o homem existencialista postulado por Sartre é angústia. A angústia resulta da consciência da própria liberdade como condição inalienável visto que o homem não tem desculpas fatalistas para se justificar e, por isso, está condicionado a total responsabilidade de seus atos. Torna-se, porém, observar o fato de que a o homem sartreano não é um subjetivista absoluto. Sartre explica que, na verdade, quando o homem escolhe a si mesmo está, concomitantemente, escolhendo a todos os homens. Pois a imagem que ele constrói de si significa, no fundo, a imagem que ele deseja de todos os homens. O homem que se compromete com a escolha de sua existência deve saber que ele não escolhe só a si mesmo, mas, em suma, escolhe a humanidade inteira. Assim, pois, escreve Sartre:


“ao afirmamos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe a todos os homens”


O existencialismo sartreano é uma moral da ação. Afirma a supremacia dos atos, do engajamento. Pensa que o único fundamento do homem é a liberdade, a urgência do projetar-se a si mesmo, construindo-se em situação. A filosofia de Sartre é uma expressão contra os comodismos, as desculpas fatalistas, a moral do costume, a consciência de rebanho. Sartre nos mostrou que somos verdadeiros sujeitos de nossa existência, que somente nós podemos, fundamentados pela liberdade, construir a nossa existência.

terça-feira, 23 de março de 2010

O Dia do Regresso

Por certo há o dia do regresso.
Seu Manoel, de bigode e casaco, baixou as portas do mercado.
Dona Elvira, naquela manha, não foi à feira.
Sem pepinos e mamão ficou Gertrudes.
Doutor Austácio fechara o consultório, diagnosticara
Apenas sua ânsia, tão molestada, do regresso...
Um feriado?
Um festejo nacional?
Uma interlocução universal?
Não.
Era o dia do regresso
E todos sabiam que, nesse dia, não haveria casamento
Qualquer intriga ou negócio
Todos os parlamentos, as cúpulas, as conspirações
Mesquitas, igrejas, ocas...nada.
Nenhum atendimento de emergência
Nenhum protesto ou homem suicida
Estava consolidado, pela ânsia de todos, o dia do regresso...

segunda-feira, 22 de março de 2010

Instantâneas

I
Nenhuma crença é absurda até que tenha se tornada legítima. Como, do mesmo modo, nenhuma crença é legitima até que tenha se tornada absurda...
II


Toda unanimidade é burra? Claro! Isso é unânime...
III

Só há um modo covarde de perecer, é desejar vida eterna.

IV
Em verdade se morre duas vezes. Uma, na crença que a vida é efêmera e que todos os fenômenos, um dia, perecerão; a outra é na certeza...

V
Tudo aquilo que se cultiva para negar a si mesmo é cultivar a morte. A perpetuação da espécie respeita algo mais profundo, a perpetuação de si mesmo...

domingo, 21 de março de 2010

Na Dispersão das Horas III


I

CONCEITO


Meu poema é como os poemas todos –
Esse fracasso maior
Pois que palavra traduzirá o indizível
Que mitos eu escreverei no crepúsculo da língua
O que se esconde imenso atrás dos signos
O que serei e direi sem representação?
Puro. Virgem.
Como te explicar, meu amor, a asa de uma borboleta
O ser, o gozo, os lençóis desarrumados
E os gestos frente à morte...
Quero meu poema assim –
A fala na velhice das coisas.


II


Não há mais violinos no silêncio da noite
Nem namoradas donzelas nos velhos bancos
Das praças
Não há serenatas
Nem rosas
Ou suicidas apaixonados
- no máximo bêbados
Flertando a lua

A poesia acabou?

Não há mais avós nos terreiros antigos
Fantasmas da meia noite
Ciranda
Ou cartas de amor
- no máximo as velhas tias
E as novelas

A poesia acabou?

Não há mais a revolução rumando o povo
O Deus bondoso a Madre Tereza
O Poeta e sua Matilde a Marília a Beatriz
- mesmo a morte morreu –
- no máximo há pílulas
E cirurgias

A poesia mudou!

III

CONSENTIMENTO



Aceitar com passividade o mundo
Aceitar com passividade o que sou
E a rua é sempre essa
Onde homens se desconhecem.
Quantos passos, meu Deus,
Para regressar...
Aceitar os fatos e as formas
As versões e os apelos
As marcas de minha passividade.
Aceitar.
Simplesmente aceitar.
Como um dia pois
O crepúsculo se sustentará
Em mim
Por si mesmo...


IV

MOSAICO

Não a ignota fome
(necessidade de comida ou ânsia)
Não a molecular sede
(necessidade de liquido ou causa)
Não o anonimato
(imemorial nome a chamar-me)
Mas talvez essa coisa
Que me falta – ou me resta? – desde sempre
– que precede as origens de minha epiderme
Essa coisa que me falta
Isso que jamais possui
Ou fui
É meu em verdade –
Mosaico de ausência

quinta-feira, 18 de março de 2010

Na dispersão das horas II

I
Convicção

Sim, eu amo.
Amo puramente tudo que não tive
Amo o que nunca veio
Todos os gestos que não esbocei
A esperança ou desilusão que nunca
Me permitiram
Eu amo. Sim, eu amo todas as promessas
Que nunca me fizeram
Todos os apelos
Todos os cansaços
A vontade de morte ou de vida
(em qual revolução eu lutei?)
Ah, como eu amo! Simplesmente amo
O que nunca senti
Nenhum passo adiante
Nenhuma convicção atrás
Nenhuma letra explicativa
Nada de ordem ou caos
Nenhuma xícara café ou pão
Nada
Eu precisamente amo
Amo este amor assim
Puro e ínfimo
a nada.

II

O que sei de mim é este poema
Tarde e lento
Sem qualquer dilema
Voz ou firmamento.
O que sei de mim não está atento
Tem uma qualquer sede e uma qualquer fome
Não daquilo que consome
Possivelmente do que invento.
O que sei de mim tem por vezes fundamento
Em outras margens pura ilusão
Um pouco simples, tampouco alento
Crua forma configurada no não
O que sei de mim pode ser agradecimento
Longe distante de toda fala
Não serei certo de todo merecimento
De tudo aquilo que cala?



III

Eu queria meu verso assim
Como Quintana espiando um girassol de Van Gogh
E aquelas palavras de encanto jamais acontecidas
Espera contente pelo que não ficou de vir
Um mergulho no mar absoluto de Cecília
Ou prece agradecida

Ao Deus ausente.


Um poema que fosse apenas poema
Que não pudesse ser lido e jamais declamado
Mas que longe, muito longe, já o ouvíssemos.

IV


As coisas que eu amei na aurora eu as quero imperecíveis
Porque amei na infância vontades incondicionais.
Quero perecer entre incertezas
De coração vazio e mãos desesperadas no acaso
Porque, sobretudo, quero falar pouco e sentir muito
Na sabedoria de ouvir as coisas longínquas
Incertas como os amores incondicionais de minha infância.


Gilles Deleuze


Antes de Deleuze, confesso, não acreditava que a filosofia fosse possível. De fato, na escola, na faculdade e nos livros enxergava apenas a beleza austera dos conceitos, a intempestividade dos sistemas de problematização e explicação do mundo sem, no entanto, vê-los tangíveis. Amava a filosofia, sim. Todavia ela sempre me parecia dissociada do mundo orgânico, molecular, cotidiano, trivial. Desejava possuir conceitos, senti-los à palma da mão, numa tangicidade transcendente. Brandar a todos que a filosofia, embora conceitual, nutria-se da cotidianidade da vida. Angustiava-me a figura clássica do filosofo. Intelectos privilegiados pela natureza, condenados, naturalmente, à raridade. Este ideal schopenheureano incidia-me um tão profundo senso de estagnação intelectual que eu enxergava a filosofia quase que por uma razão messiânica. Nietzsche já havia me ensinado a tragicidade positiva da vida, que ela só se justifica, afinal, como senso estético. Sartre me mostrou o peso da liberdade, que sou um homem sem desculpas, que é preciso, pois, o engajamento fundamental da vida. Mas com Deleuze aprendi a acreditar na criação filosófica. Ele mostrou-me, com beleza e ordem conceitual, que a filosofia é uma questão de vida; pois também de morte. Para Deleuze, o filosofo é um inventor. Sim, um criador de conceitos. Os conceitos são instâncias de vida. Assim, toda a filosofia de Deleuze é um brado à criação não propriamente de conceitos, mas, em suma, da própria vida. A vida gestada no que há de mais trivial, urgente, íngrime, cotidiano. Afinal, é nas cidades e nas ruas, nos guetos, nos bancos públicos, nas manifestações de massa, nas veredas que a filosofia está constantemente sendo elaborada, criada, gestada. Quero uma filosofia orgânica, sentida, no significado e no significante, que me faça saber que, no fim, não posso fugir da vida.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Pornósticas




talvez teu sexo
pese ainda sobre mim
-- signo flutuante desenvolvendo carne
e houve maneira menos polida
(em glórias e epopeias)
de agarrar-te os seios...
bem sei que todas as virtudes findaram-se em guerras
e que era preciso a fome
para penetrar-te a nádega
a mesma que me transcendera
o gozo já despido em desmemória
tenho o lábio e o pênis
a mão e a pluma
e tenho bem mais que a perversão
de todo verbo que, no fim, é pura carne
e carne desnuda

II

Tua nádega tem torpor todo elegíaco
dupla duna a oferecer-me a consumação
do inexplorável
pois que tens um universo pubescente
botão tímido em sua ocultação
-- deixa-me consumá-lo
e lavrá-lo na excedência de minha ancestralidade...

III

o meu verbo nada pode contra tua língua
-- a cálida a absurda a húmida --
que me perscruta a cabeça ancestral ausente de cérebro
suga, pois, meu âmago
e espera eu transbordar-te o lábio consumado
já desse líquido disposto

à minha geração futura...

terça-feira, 16 de março de 2010

Verbografia I

I
A poética, de Aristóteles, assinala que a história se preocupa com o que realmente aconteceu, ao passo que, a poesia, nos diz o que é possível ou necessário, quer dizer, o que pode acontecer. O tempo é dado absoluto para o poeta. Não o tempo cronológico, factual, histórico, constatável apenas pela empiricidade. Como oposto, o poeta verbaliza um tempo imemorial, imanente, sim, mas superior. É o tempo do acontecimento poético, os fatos se desempenham em um lugar qualquer do mundo – mas, sobretudo, no intimo de tudo. No mais profundo ser das coisas. É o tempo mesmo do verbo; aquele que se faz carne, ferida, mácula...Toda poesia, por definição, é intempestiva. Carrega em si a supressão do tempo situado, urgente, pragmático, palpável. O que há de fundamental na poesia? É, pois, a factuação da vida fundamental. Vida consentida pelo verbo, pronta sempre a devir, a constatar a si mesma no futuro, no extemporâneo. A historia produz o acontecido; a poesia produz o acontecer.
II
Acredito que a grande ambição do verdadeiro escritor é o silêncio. A palavra, de certo modo, finita a si mesma. O verbo, em muitos casos, não deixa de ser um grilhão. Um bom escritor não é, de modo algum, aquele que eleva a palavra a um nível de transcendência superior. O grande escritor é aquele que forja um verbo tão certo de sua voz que, uma vez existido, cala-se para sempre. O silencio é por vezes o maior poema...

A face rubra


Tenho, há muito, a íntima convicção da morte. Naturalmente, esta disposição é comum a todos os homens. Ocorre, porém, que, em mim, ela assume proporções infindáveis. Persegue-me materializado-se em sensações tão íntimas, familiares, profundas que meu âmago é todo um torpor de coisas fúnebres. Por certo a morte é uma dádiva diária, cotidiana, pertencente apenas às coisas urgentes da existência concreta. Não é a morte que está nos poemas de Byron, nas tabernas de Álvares de Azevedo, nas telas de Delacroix, nos contos de vampiros, nos túmulos. O imaginário popular esculpio a morte de um modo muito nefasto. E o ideal cristão a dicotomizou da vida. Não, ela não usa máscara mórbida, caveiras insinuantes, não há manto cinza-escuro e garras de águia. A morte é um dado tão ingênuo, tênue, delicado que parece tornar-se tangível, escorrendo entre os dedos, estagnando-se no ar, expandindo-se no peito. E, ao menor suspiro, o mais involuntário alívio nos consome às entranhas, tornando a máquina molecular uma obsolência anunciada no instante último. A morte nos condena à obsolência da espécie – não à obsolência do tempo. Nunca se morre jovem demais. Jamais se padece demasiadamente velho. Ela sempre vem, como disse Quintana, “pontualmente na hora incerta”. Os túmulos, sim, envelhecem. O morto talvez passe. Ter morrido não passa nunca. E como não pressenti-la? É ela que está lá, “vestida de cetim” no cruzar de qualquer esquina, no descuido do transeunte, na resignação e nos passos anunciados. Ela está lá, lívida e intensa nos bancos dos namorados, nas juras de amor, nas cartas de adeus. É ela que prepara o banho, que te serve o café, que te vela o sono, que te impregna o lençol, que te espia na janela. Ela que te move a aurora e deseja teu regresso no crepúsculo. Por certo, senhores, a morte é o mais cotidiano dos eventos imortais.

Fragmento III

...A solidão nos permite uma angústia maior: o contato íntimo com nós mesmos. É um fato indubitável que ninguém suporta a própria presença, ninguém está preparado para si mesmo. Daí a importância do amor, do doar-se ao outro. Pois que ninguém se engane, todo amor é, no fundo, uma fuga de si mesmo...

Fragmento II

...Dizem que os filósofos são ateus porque Deus não existe. Isto, para mim, é uma tautologia, uma redundância, uma contradição lógica. Os filósofos são ateus, precisamente, porque Deus existe...

Fragmento I

...Para mim, a saúde se mostra como uma forma de realizar a satisfação de mover toda a forma de consumação. Não digo saúde como fato físico – impermeabilidade de distúrbios moleculares – mas uma saúde maior, mais austera. A fome, por exemplo, é a saúde da estimativa de comida. O amor é a saúde do descaso. A mulher é a saúde da ilusão...

Na dispersão das Horas I

POEMA RESIGNADO

Não sei, é possível que em tudo haja
Um motivo uma inoculação um resíduo
(decerto há muito o que ver e sentir...)
A certeza entretanto é um nome às avessas
Oh, mártires desta vida, dei-me
Uma única
E silenciosa
Razão
Para eu partir de mim...



POEMA

Diz-me onde andas em espaços disformes
Territórios, estradas, mapas algum
Nada sob teus pés ressoa rastros
Chega, pois, como rumor ou medo
Mas dizes onde andas
– que paisagens te anunciam
Que verbo te circunda
(que canção esquecida te comove o retorno)
Vês então que há em todo caminho um não obstante
Então andas –
Andas e tudo o mais
É acréscimo de longos desvios



LIRICA MOMENTANEA

Quem sabe esta tarde – tão fria
(há chuviscos resignados e a rua tem um fato de infância)
Quem sabe esta tarde precise talvez de um verso de Drummond
Uma qualquer canção doce e boba saída apenas dos rumores
da solidão
Talvez eu prepare um café
Não fumo, todavia desejaria um cigarro
E esperaria no portão – disperso e trágico –
O retorno de quem não ficou de vir.

Mas é preciso considerar a vida
Urgente e concreta
As dívidas, o trabalho a resignação
Os impostos e a civilidade

E então esta tarde – tão fria
(há chuviscos resignados e a rua tem um fato de infância)
Seja apenas uma tarde fria
Entre outras tantas frias
Que afinal não acaba em poema.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Confessional I

Nasci em São Paulo. Mas naturalizei-me no Ceará. Sou escritor, mais por teimosia do que por convicção estética. Pertenço a uma geração ressaqueada. Estamos, pois, em uma geração sem Pai. Deus está morto, e não há mais Marx, Freud, Marcuse, revolução de 1917, maio de 68. Édipo é realmente uma histeria da história. Che Guevara só existe como estampa de camisa para ser usada com All Star. Fidel renunciou. O PT é realmente só um partido político. Arrisco-me às pretensões filosóficas. Admiro a intempestividade e o nomadismo de Gilles Deleuze. Desconfio do racionalismo de Habermas. Entretanto, desejo uma ética do discurso. Desejo, também, entender a ontologia do presente e o imaginário pós-moderno. Gosto dos Concretistas e de Ferreira Gullar e do Leminski. Ainda leio Fernando Pessoa, Drummond, Rilke e Rimbaud.Guimarães Rosa e Manuel de Barros vivem o futuro da literatura. A semiótica nunca abarcou Jorge Luis Borges e Humberto Eco. Aprecio Cézanne e Van Gogh, e cultivo uma resoluta admiração por Klee, Pollock, Francis Bacon, Modigliani. Warhol mudou toda a concepção moderna de arte; e o Neo-Expressionismo de Baselitz e Basquiat mudaram a minha. Acredito, como Nietzsche, que a vida só se justifica como fenomeno estético. No mais, só há duas grandes pretenções em meu espírito:Conseguir ser aquilo que sou e jamais conseguir ser só aquilo que sou...

Microverbodramas I


I


Todo poema
Compõe uma
Paisagem

Impressionista
Barroca
Ou Realista

- no fundo
Só miragem

II



Não há palavra certa
Para compor o mundo

Nenhum poema
Seria profundo

Tudo é margem e desmemoria
Um desacerto
Fecundo
III


Se decerto
Me vejo deserto

É por certo
Um gosto
Ruim

E tão perto
Me encontro
Quieto

Tão longe de
Mim


IV


Se sempre
Sou

A busca no fim
Nada sei e vou

A procura
De
Mim

V


Não há fim que não arda
Quando se tarda

Poesia e infância - uma apreensão mágica do mundo


Possivelmente, a infância é a legitima idade da poesia. Parece que há, em todo poeta, um gosto vivencial pela infância. Mario Quintana, por exemplo, chegou aos oitenta anos com “aquele espírito de criança ingênua para o mundo”, como escreveu certa vez. Os poemas de Manuel de Barros procuram a “infância da língua”. Não admira que todos os poetas cultivem tamanho apreço pelas coisas da aurora. Talvez porque entendam, todos eles, que há na infância uma impulsão mágica para as coisas. E é disso que é feito a poesia: uma apreensão mágica do mundo.
Parece que até a arte moderna aprendeu as lições da criancice. Picasso, repetidas vezes, disse que sua maturidade pictórica se deve às observações dos desenhos de criança. Paul Klee, por sua vez, disse que, como pintor, queria ser como um recém nascido. Assim, sua arte seria uma expressão concreta do que ainda há de inocente na visão pictórica. O que para muitos parecia formas desfiguradas da natureza era, na verdade, um olhar de criança – mágico – para o mundo.
Mesmo os mitos não escapam à austeridade da infância. Édipo, mito fundamental para a compreensão do homem moderno, diz que é na infância que os traumas do homem começam. E, segundo uma lenda Tupi, o deus sol é sempre um deus criança. Assim, Drummond não se equivocou quando disse que a infância é a mais poética das idades. Nietzsche, pensador primordial da idade moderna, viu o nascimento do seu super homem na imagem de uma criança. O fundamental da infância é, como disse Fernando Pessoa, estar aberta “a eterna novidade do mundo”. E os filósofos? Sim, os filósofos tem também suas virtualidades da infância. Dizem que o autentico filosofar – aquele que começa com o espanto e a admiração das coisas e do mundo – principia na infância. A infância trás tamanho mistério que a psicanálise freudiana não se ocupou de outra idade, ou será de outro evento? É preciso supor a infância não como idade, não como o cronológico, mas como um fato que, de tão irremediável, nos seguirá nos determinando por toda a vida. E a morte significará, pois, não a supressão da vida e, portanto, da infância; mas a afirmação absoluta dela, pois é inevitável que se nasça mesmo que para o nada.

Nietzsche



Nietzsche tem um peso significativo sobre meu caráter. Vejo, em suas paginas, a urgência retumbante de uma filosofia que não perdoa a inércia, o comodismo, as desculpas covardes, o abandono do mundo. Por certo Nietzsche é, dentro da tradição do pensamento ocidental, o mais austero dos filósofos. Iconoclasta severo dos moralismos, das ilusões metafísicas, do transcendentalismo cristão, enfim, do descaso com a vida. É verdade, Nietzsche não foi um filósofo, foi uma dinamite. Ninguém consentiu, tão conceitualmente, a tragicidade da existência, do brado apolíneo e dionisíaco que há em cada homem. Mas é preciso, pois, superar o homem. E saber que a vida só se justifica como fenômeno estético. Que é a arte que torna este mundo menos efêmero e doído. Aprendi muito com Nietzsche. Com seu “otimismo trágico” extirpei muito de minhas ilusões. Foi com ele que vi o sofrimento como “grande saúde”. Mas, antes de tudo, ajudou-me a perceber a filosofia como carga de vida, carregada em si de um impulso de paixão e intensidade. Por certo não é possivel pensar o presente sem remeter, de forma explícita, às assertivas niezschianas da crise da moral, do brado da morte de Deus, da existência sem desculpas; movida, pois, pela vontade de potência, tao imperante nas ações humanas. É preciso considerar Nietzsche como o grande intuidor do presente. Desse tempo que se considera pós-moral e pós-metafisico, carregado de um sintomatismo niilista. Todavia Nietzsche não é um profeta do caos. Quis, com seu pensamento iconoclasta, defender uma humanidade abstraída das ilusões – metafísicas e imanentes – e mostrar que o mundo é o lugar do Übermensch, quer dizer, daquele homem-ponte que se supera a si mesmo através da transvaloração de todos os valores do indivíduo.

Andy Warhol e a arte contemporânea

Warhol é, certamente, um dos mais paradigmáticos artistas contemporâneos. Cético, indiferente, sem discursos brilhantes, nunca se propôs a fundamentar sua arte como revolucionária, antes, dizia sempre que seus métodos pitóricos não traziam em si nenhuma genialidade. Costumava deixar seus trabalhos entregue a assistentes; não mais o discurso do artista que, num momento epifânico, cria uma grande obra, um movimento, sempre singular em sua expressão, mas o artista-máquina, que produz em série. “pinto – disse certa vez – porque eu queria ser uma máquina”. E, com um cinismo que o caracterizou de modo dramático, falava: “acho que seria sensacional se todo mundo fosse idêntico”. Mais ainda: “quero que todo mundo pense da mesma maneira. Acho que todo mundo devia ser máquina”. Como sua arte, Warhol é expressivamente ambíguo. Muitos críticos, então, enxergaram nas posições céticas e pitóricas de Warhol um eminente critico social. Outros, ao contrário, o deflagravam como doente, sem talento e banal. Na verdade, Warhol é ambas as coisas e mais além. Suar arte, de fato, reflete as banalidades da vida social no mundo desenvolvido industrialmente, dos meios de comunicação, da mídia, do consumo. Warhol mesmo foi uma figura do estrelato. Sua imagem, em si, pode-se dizer, foi sua grande obra de arte. Warhol é um antigênio da arte e, por isso mesmo, tão genial e próprio. Ambíguo e plural como toda expressão dos movimentos da arte contemporânea. Sua postura como artista rompe os procedimento habitiuais dos artistas modernos. A arte moderna queria chocar, inverter a natureza, desejava o artista personalizado e revolucionário: “toda a arte toma partido”. A fase azul de Picasso, a Guernica, o Dadaismo e sua denuncia dos absurdos da guerra e da racionalidade, as posições existenciais dos Expressionistas abstratos, Brecht, Neruda, Maiacovsk. É preciso ainda assinalar que a arte moderna tem no conflito e no hermetismo uma tomada de partido. Warhol era menos preocupado – pelo menos aparentemente – com certas posições políticas e revolucionárias que os artistas que o precederam. Não obstante, a importância de Warhol não está nos discursos verbais, mas pitóricos. Antes de Warhol, o mundo da arte, sobretudo nos Estados Unidos, era dominado pelas posições do Expressionismo Abstrato. Surgido nos anos 40, o Expressionismo Abstrato tem como técnica a livre associação da tinta, num ato expressivo de liberar cores, sem nenhuma referência a realidade visual-figurativa. O impulso pitórico, sem uma idéia referencial de figuração, tornou-se o método mesmo da ação artística, dando a tela um caráter abstrato. O figurativismo foi desfigurado: J. POLLOCK, A. GORKI, KOONING. KLINE. Com Warhol, contrapondo-se às posiçõess pitóricas do Expressionismo Abstrato, deu-se o retorno a figuração. Usando procedimentos foto-mecânicos, Warhol produzia pinturas em série dando a obra um caráter de produção maquínica. Com o procedimento pitórico da serigrafia, seus efeitos plásticos eram produzidos com maior semelhança. A adaptação pitórica da serigrafia permitia Warhol coadunar a fotografia com a pintura em um só processo plástico. Há um fator determinante na pintura Pop de Warhol: a repetição como discurso pitórico. A repetição mostra a desvirtualidade singular da obra, a despersonalização do autor. Serve, assim, de brusca ambigüidade: de um lado, há uma artista despersonalizado, frio e sem grandes convicções. Por outro lado, revela uma marca da sociedade massificada, consumista, impessoal. Warhol é um grande artista. E rompeu os limites do entendimento da arte. No contexto da arte pós-moderna, ele representou o próprio questionamento dos movimentos de estética modernista. Ele precedeu, por exemplo, movimentos das décadas seguintes, como o Minimalismo e a Arte Conceitual.Warhol levou a arte às massas e mostrou-a paradigmaticamente. Como gostaria de ser visto e interpretado. Warhol assumiu uma postura nova na concepção artística: levou a arte ao grande público. Acusa-se a arte moderna de ser hermética e distante do público. "arte para artista" como disse Ortega. Com uma linguagem confusa e pessoalizada, a arte moderna exigia, de fato, uma certa compreenção engajada. Mas não terá sido sempre assim? Com imagens que refletiam o cotidiano, as matérias primas da sociedade massificada, Warhol e sua pintura Pop elevaram a arte contemporânea a niveis de entendimento e polêmica que tornou-se difícil ignorá-lo. Aclamado ou odiado, mas nunca ignorado. Podemos dizer que os movimentos artísticos dos últimos quarenta anos devem muito a Warhol, mesmo aqueles que pretendem superá-lo. Sua influência foi decisiva tanto nas pretenções minimalista, da Arte Conceitual, com do "renascimento da pintura" no final dos anos 80. Warhol é um mestre da imagem. Da ambiguidade. Da polêmica. Warhol não somente é um grande ícone da arte contemporânea, como é, sobretudo, um precursor, um inovador. O que Warhol não fez? O que não foi? Suas imagens residuais testemunham um tempo não menos residual. Warhol pensava as massas. Com seus valores, contradições. Paradigmas. Foi não menos dramático e contraditório - como seu tempo - como as personalidades que se propôs a expressar. O que devemos a Warhol? Muito. Ou quase tudo. Tanto, que ainda não conseguimos determinar, precisamente, o quanto nos custou seu legado.