segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Resíduo II

II

Tenho em mim vontades inadiáveis. Por muito desejo tudo o que é intempestivo, longínquo, galgado apenas a tempos imagináveis. Tenho, pois, vontade de tudo o que é futuro. O para sempre, porém, me parece de uma morbidez de crepúsculo. Não sei, talvez haja em mim o fluxo horrendo da existência, que não cessa, dia a dia, de perecer. Tenho vontade do amanhã. E sinto isso nos movimentos de meus poros, em meus pelos em progresso, nas unhas a crescer, na saliva a desfazer-se, nas toxinas dispersas diariamente. Vejam as roupas. As vestes têm uma peculiaridade toda austera. Cobrem a nudez, disfarçam o que há de mais imperfeito e natural. Sim, a nudez é uma imperfeição de margem. Talvez a nudez do espírito, todavia, seja mais obscena do que a da carne. O espírito não se desvela, revela-se apenas na gratuidade do desfazer-se. É preciso saber que a nudez é a originalidade do Ser. Só o Ser é desnudo de convicções. A nudez limita. Por certo a historia da roupa é a historia da vontade do homem de desfazer-se de sua imagem de Ser.

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