terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Realismo político em Nicolau Maquiavel

Introdução

Nicolau Maquiavel é, entre os pensadores que, de forma teórica, gestaram a modernidade, o mais controverso no cenário do pensamento político Ocidental. Seu nome está ligado a uma espécie de julgo político que privilegia os atos de poder político sem, no entanto, ocupar-se das significações morais. O termo maquiavelismo nos remete, até hoje, uma carga toda negativa, indicando ausência de escrúpulos de quem pratica qualquer ordem de poder político. Acusado por muitos de corruptor, de inescrupuloso, de insensível à política com artefatos de fundamento moral, Maquiavel figura, sem dúvida, na imensa galeria de pensadores tão mal entendidos. Grande parte dessas interpretações se deve a seu realismo político, muitas vezes radical. Maquiavel é um pioneiro no pensamento político da modernidade. Inaugurou uma época.

Nicolau Maquiavel nasceu em 1469 e faleceu em 1517. De família tradicional, mas não abastada, Maquiavel recebeu uma boa educação humanista e durante quatorze anos foi secretário da república de Florença, adquirindo na prática uma formação de estadista que, posteriormente, lhe fornecia a base para suas obras políticas. Em 1512, com a volta dos Médici ao poder, demitiu-se do seu cargo. Excluído da atividade política e limitado a uma vida isolada no campo, esperou por uma transformação no quadro político escrevendo peças teatrais. Em 1520, chamado de volta pelos Médici, retomou a sua modesta atividade política, mas esse relativo sucesso lhe valeu, enfim, uma última desilusão, posto que, 1527, restaurada a republica florentina, Maquiavel foi novamente preterido. Morreu, pois, desiludido com as ações políticas de seu tempo.

1. Moral e política

Maquiavel despreza o pensamento político da Idade Média, para ele, não há a De Monarquia, de Dante, e proclama que a origem do poder não é divina, mas, sobretudo, se encontra na força. Ora, quem governa o Estado deve seguir os preceitos morais? A política, pois, deve ser pautada segundo preceitos éticos? Maquiavel responde de modo realista, quer dizer, vai buscar na experiência da prática das ações políticas. Assim, para ele, o triunfo do mais forte é o fato essencial da História. Existe, sim, uma relação entre moral e política, mas essa relação deve ser investigada na sua verdade efetiva, ou seja, nas realidades de fato, e não segundo princípios abstratos. Assim, escreve Maquiavel:

“Parece-me mais conveniente perseguir a verdade efetiva dos fatos, em vez da fantasia. Muitos imaginaram repúblicas e principados nunca vistos nem conhecidos na realidade (...) um homem que queira sempre se comportar como bom, entre tantos que bons não são, acaba por arruinar-se. Portanto, é necessário que um príncipe, para se manter como tal, aprenda a não poder ser bom, e usar isso ou não, segundo a necessidade”. (Maquiavel, 2005)

A política deve usar todos os instrumentos que garantam o seu sucesso. A moderação também é necessária, porém a bondade sistemática termina por comprometer a ordem da sociedade, produzindo danos ainda maiores do que o mais realístico uso da violência. Certamente, afirma Maquiavel, o ideal, para o príncipe, seria ser ao mesmo tempo amado e temido, mas, na prática, constitui ambas as coisas fatos inconciliáveis. Quem governa o Estado, portanto, deve decidir a cada vez com base na oportunidade. Em todo caso, o que não deve fazer é submeter às praticas de governo às normas da ética individual, meramente subjetiva. Portanto, nos ensina Maquiavel, em política, a piedade produz mais danos do que vantagens:

“assim, um príncipe, para manter seus súditos unidos e leais, não se deve preocupar com a fama de cruel; porque, com pouquíssimos exemplos, por excesso de clemência, deixam que as desordens prossigam, provocando mortes e roubos; posto que estas costumem atingir a inteira coletividade, quando as condenações do príncipe atingem um individuo em particular. E, entre todos os príncipes, o príncipe novo não pode evitar ser considerado cruel, porque todos os Estados novos são cheios de perigo”. (Maquiavel, 2005)


2. O papel do príncipe – uma política realista

Visto que o papel da política consiste na ação real na busca das relações de poder, e, por isso, não pode encerrar-se nos preceitos morais e éticos do individuo, logo a ação do príncipe deve, pois, mover-se na busca de sustentação do poder, mesmo que isso, no fundo, suponha o uso da violência, Maquiavel busca pensar em que consiste o papel social do príncipe. Segundo Maquiavel, são quatro as maneiras de se conquistar um principado. Conquista-se pela virtu, pela fortuna; pela perversidade e pelo consentimento dos próprios cidadãos. É interessante notar que virtude, para Maquiavel, não significa qualidade moral, mas força, ação. Os que conquistam o poder pelas virtudes próprias e com as próprias armas lutam mais para adquirir um principado, mas quando o conseguem terão mais facilidade em conservá-lo. Fora isto, deve o príncipe amedrontar, intimidar, constranger os vencidos para que eles silenciem, pois, visto o oposto, Os vencidos tornam-se bem mais violentos e capazes do que o príncipe benevolente. O príncipe, então, deve ser forte e estar sempre suficientemente armado. Ora, é fácil persuadir um povo, mas é difícil mantê-lo persuadido. E, por esta razão, tudo deve ser mantido e preparado de tal forma que, quando o povo não mais confiar nem crer no governo, seja obrigado a acreditar pela força. Daí a importância de ser temido, em vez de amado. Para Maquiavel o temor das penas produz mais vínculos políticos do que o amor. Assim:

“Os homens tem menos cuidado em ofender alguém que se ama do que alguém que se faça temer; por que o amor se sustenta em um vinculo de reconhecimento, que os homens, sendo maus, podem romper sempre que lhes convenha; o temor, todavia, sustenta-se no medo de ser punido, que não nos abandona nunca. O príncipe deve se fazer temer de modo tal que, mesmo sem se fazer amar, não se faça odiar; porque se pode ser temido e ao mesmo tempo não odiado; e isso será possível respeitando os bens de seus cidadãos”. (Maquiavel, 2005)



O príncipe, para defender a manutenção do seu principado, deve, pois, ser mais temido do que amado. O ideal seria ser igualmente amado e temido, mas isto não é fácil. Então, é preferido ser temido. Os homens quase sempre são ingratos, inconstantes, dissimulados, pusilânimes diante do perigo e ambiciosos. Oferecem tudo ao príncipe desde que o perigo esteja distante. O príncipe, e sobretudo o príncipe novo, deve entender tudo isso, ser capaz de comandar com força, virtude, energia, ser temido sem, todavia, ser odiado. É na construção conceitual da ação política do príncipe que consiste o realismo político de Maquiavel. Libertando a política dos fatos abstratos de uma certa impulsão divina e pautada na ética individual, Maquiavel confere à política um status absolutamente novo dentro da História. A política passa a ser, então, auto-referente, quer dizer, ela é autônoma com suas leis e condutas. Para que isso ocorra, é preciso superar as antigas antinomias da política convencional. Maquiavel conseguiu, com seu Príncipe, algo maior. Não só superou as contradições de uma política fundamentada por uma moral, mas fundou uma analise moderna de se pensar a política. A modernidade nasce, pois, segundo uma regra de realismo político que mudaria o curso dos modos como pensamos e exercitamos a política. Maquiavel é um fundador. Um legitimador de uma época e de uma ação política que, embora escrito e teorizado no século XVI, parece hoje tão atual.






























Política da esperança ou da conveniência?




Talvez nunca uma eleição no Brasil suscitou tamanha apatia. Entre os jovens, sobretudo, pairou aquele sentimento de que o voto – instrumento efetivo para a construção de uma mudança social – é apenas uma obrigação cívica. Basta perceber o expressivo número de votos nulos e a recordista eleição de candidatos midiáticos, bizarros e de aparente descompromisso político. Por certo a candidatura de Tiririca é a grande metáfora dessas eleições. O deputado mais votado do país é um palhaço, sem escolaridade mínima e jocoso – riu e ridicularizou as eleições, riu e ridicularizou os eleitores, riu e ridicularizou a democracia, que, legítima, o elegeu. Mas, no fundo, Tiririca não terá sido apenas uma tradução do que pensamos, em geral, dos políticos? O que queremos dizer elegendo um palhaço? O sentimento que fica é que, na verdade, sempre foi assim. No geral, as eleições 2010 demonstraram que, cada vez mais, votamos por conveniência; quando, na verdade, deveríamos estar votando por esperança. Há muito não há mais Lula. Há muito não há mais PT como alternativa de esquerda. Ninguém mais ousa falar em socialismo. O que restou? Quais alternativas temos?Um jogo absurdo de partidos, coligações cuja finalidade única é o monopólio político. Nem Dilma Roussef, muito menos José Serra, representaram verdadeiras alternativas para o eleitor brasileiro. No fundo, não acreditamos neles. Tivemos, por uma questão de dever cívico, que eleger alguém. O sentimento dos eleitores que compareceram às urnas nessas eleições de nada se assemelha com aquele sentimento dos que compareceram em 2002, quando, pela primeira vez, em quinhentos anos de história, um operário, um homem oriundo do povo, assumiu o mais alto posto político do país. Era ali circunstância de esperança. Nós, os jovens daquele momento, vestimos, literalmente, a camisa da campanha. Militamos. Fomos às ruas pedindo Lula no poder. Acreditávamos que, naquele momento, estávamos ajudando a construir uma nova ordem política para o Brasil. Estávamos elegendo um futuro promissor, estávamos superando um passado político de desmandos e atrasos. E, hoje, no final do segundo mandato de Lula, sentimos, é verdade, alguma frustração. Mudaram-se os atores, permaneceu a tragédia. Mas, no total, enxergamos o progresso enfim tão almejado – embora um progresso parcial e assistencialista. Não desejo, evidentemente, fazer apologia ingênua aos discutíveis progressos do governo Lula. O que digo é que, de fato, Lula significou a última voz de voto de esperança. O último líder que moveu as expectativas dos jovens. Não há, com efeito, no cenário da política nacional, um político que represente hoje uma alternativa plausível de mudança social e política. E no íntimo todos nós compreendemos isso. Hoje a política é da conveniência. Chegamos enfim ao cínico ato de “votar no menos ruim”. O que restará, no futuro, para os jovens? Quais serão seus líderes políticos? Quais mitos revolucionários eles se espelharão? É preciso muita reflexão. Mas é preciso, antes de tudo, a esperança, para que, no futuro, não tenhamos que descrer da política elegendo palhaços