sábado, 7 de maio de 2011

Poemas do livro O CORPO ARCAICO

POÉTICA DA FINITUDE

Escreverei um dia o poema de finitude.
Não trará novidades, reinvenção do passado
ou cacos de futuro. Não dirá a cura da chaga
ou lamina que, posta, fere a lascívia.
Não eximirá palavras alentas, comoção alguma
nem funduras nem beiras.
Não exporá a extinção da pele, a supressão das eras
o armagedom dos lapsos.
Não proclamará revoluções, lonjuras humanas,
nenhum gozo, mulher ou política.
Nenhum acaso de esquina, prece alguma, leve evento
de vida humana. Nada.
Um poema de finitude
– finito, ele mesmo, enfim.



SÓ RESTA DANÇAR UM TANGO ARGENTINO

Todo acordar é uma mentira.
É falso escovar os dentes
engomar a roupa
o café o pão o leite é uma mentira.

As notícias no jornal, as crises do mundo
o vendedor na esquina
o vizinho absorto

tudo mentira.

É falso teu trabalho teu cigarro
as dívidas os consórcios
o orgasmo da tua mulher

é falso

a coroação de amigos
a celebração dos anos
o juízo final

tudo mentira

nas guerrilhas
nos partidos políticos
na confederação dos homens.

Mentira
tudo mentira.



DIACRONIA
É preciso a poesia
da diacronia.

O pão amargo
o vinho escasso
o terror da
fatia.

O pote cheio
a mesa farta
a casa
vazia.

O primeiro andar
a queda
o prazer da
agonia.

Aquela fome
aquela cede
a comida que
não sacia.

A carne e o afeto
a mulher o descaso
o gozo que não varia

O peito largo
a mágoa dada
o vinho a noite lúdica
e nenhuma
poesia.

É preciso a poesia
que tardia.



VODKA E PASSÁRGADA

Sinceramente eu esculpiria
uma estátua súbita de Hilda Hilst
transaria com a melancolia
de Clarisse.

Sinceramente

eu incendiaria os galpões antigos
da memória e certo erraria
com Jack Kerouac.

Encontraria o xamã de Morrison
e um poema suicida
para Hendrix.

Rasgaria todas as páginas de Freud
as máximas de Marx e fugiria
tão certo eu soubesse onde Passárgada estaria.

Sinceramente.






DESCOMPLETUDE


A vida toda é um gastar-se.
Esgotam-se o sumo dos tempos
as refeições as salivas
esgotam-se.

Esgotam-se as ilíadas da infância
as lidas os heroísmos
os óculos
esgotam-se.

Gastam-se os dilúvios
os quintais as estações
os enxovais
gastam-se.

A vida toda é um não bastar-se.
Não basta o beijo primeiro
o primeiro delírio
a primeira esquina.

Não basta

os móveis desarrumados
os lençóis incertos
a primeira veia
o primeiro desamor
não basta.

A vida é um gastar-se
– e não basta.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O CORPO ARCAICO, meu livro de poemas


Capa de O Corpo Arcaico, meu primeiro livro de poemas. Quem desejar saber mais sobre o livro ou comprar o mesmo, escreva para meu email: renatopessoa_21@hotmail.com