segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Palavra como Silêncio


Há uma dimensão sagrada na palavra: ela supõe o silêncio. Escrever é buscar a voz alguma da escrita, o que jamais pode ser dito, e o dito torna-se sempre o intraduzível. Todo poema fracassa. Todo conto incidi uma derrota, a lástima da língua é o romance. Para que serve a Literatura? Para promover silêncios. Para fundamentar o não-dito. Não há outra função originária para o escritor: ele frustra a língua. Assim, nenhum escritor tem voz. Talvez o que possamos supor como berro, grito, rufo da voz seja, em verdade, tímido ruído de algum verbo. Todo escritor é abstrato. E não seria exagero supor que sua existência é a ficção de algum verbo, de alguma palavra, de alguma língua que, por sua vez, também é ficcional. Silenciar a língua, o corpo, as nódoas da carne e da alma. Silenciar o orvalho, o acrobatismo dos bêbados, as desilusões da infância. Silenciar a rua, a brisa, a bruma, as suposições, todas as fomes. Silenciar também as formas. Todas as estéticas. Silenciar o silêncio. Toda palavra é túmulo. Todo escritor é lápide.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Poe(MITO) II

Mais do que a morte
É preciso a vida
De existir em morrer

Poe(MITO) I

Há em todo homem
Uma dupla solidão:



a de existir
– vida nunca concebida


a de morrer
– vida nunca conseguida

terça-feira, 6 de abril de 2010

Clichê-reverso I I

A alma não vale a carne, a carne não tem eternidade, a carne tem intensidade...

Clichê-reverso I

É preciso, muitas vezes, um certo desconhecimento de si mesmo para suportar o peso de sermos o que somos...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Idílio para M.B.

Qual poema eu te escreverei
Por entre os mitos do amor e as palavras do ocaso?
Por onde encontrá-la entre ramos de absinto
E relvas imemoriais?
Longe do peso das coisas e das mágoas
Convive
A colher rebanhos
E pássaros já são morada em teus ombros
E tua sombra é sempre a hora que me resguarda
E de teu ventre fecundam madrigais
E de teus olhos belos idílios...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Deus está morto?


Me parece uma arrogância ingênua das ciências humanas proclamar, hoje, a morte de Deus e a obsolência da religião, sobretudo no Brasil. O que percebo, nos diversos seguimentos políticos e culturais, é ainda a deflagrada influência da religião sobre os fatos sociais. Por isso creio que a constatação da obsolência da religião nas sociedades modernas tornou-se, por fim, um lugar-comum das ciências humanas. Os intelectuais brasileiros – e principalmente os europeus – habituaram-se ao comodismo das suposições teóricas que postulam Deus como um dado superado nas circunstâncias sociais e políticas do homem de hoje. Deus não é mais uma questão passível de análise e questionamento visto o fato constatável de sua decadência e seu esquecimento no mundo do capitalismo avançado. Há, portanto, hoje, por parte dos filósofos, um certo silêncio, uma espécie de indiferença confessada com a questão de Deus. Deus tornou-se um saudoso artefato folclórico. Há, evidentemente, razões históricas para isso. A modernidade Ocidental nasceu sob a égide do secular. A ciência experimental questionava a teologia. Copérnico e Galileu contra Aristóteles e Ptolomeu. Descartes contra a Escolástica. O subjetivismo secular da modernidade contra o holismo cristão da Idade Média. Por certo o sujeito secular e a ciência experimental são noções caras à religião e, em especial, ao cristianismo. Os Iluministas postulavam a supremacia da ciência, da razão e da política como orientadoras das ações humanas no mundo. No século XIX, Feuerbach antropoligizou a teologia. Deus, na verdade, é um dado humano. Nietzsche proclamou a morte de Deus, a superação da moral platônico-cristã. Marx afirmou a superação da religião como conseqüência lógica da superação da histórica dicotomia de classe. De certo modo, o que perdura, hoje, sobre a problemática de Deus, segue essas postulações. O irônico é que os ateus ingênuos usam essas postulações quase que como credos, incontestáveis, indiscutíveis... Dogmas às avessas! Deus está morto? A religião tornou-se mesmo algo caduco? Folclórico? O homem contemporâneo é realmente secular? O Brasil é um país que desconsidera a questão de Deus? Creio que não. Não julgo que as postulações de Marx, Nietzsche e Freud sejam, ao todo, irreais. O que considero é que as circunstâncias históricas mudaram. Hoje, a religião mudou, assumiu outra roupagem, outros modos de atuação no social, outras características de dominação do imaginário – embora, ontologicamente, os fundamentos permaneçam os mesmos. Todo o social contemporâneo brasileiro é permeado da influencia da religião sobre os acontecimentos na política, na moral, na estética, na ciência. Os embates das pesquisas das células-tronco, a polêmica da liberação do aborto, o casamento homossexual, a clonagem de seres vivos, os confrontos éticos e políticos no oriente médio, são algumas questões irresolutas que demonstram o peso da religião como propulsora das questões sociais no Brasil e no mundo. Todos os ataques terroristas são justificados segundo a mórbida lógica maniqueísta do bem contra as forças do mal. Da religião verdadeira e santa, contra os hereges. No caso do Brasil, a religiosidade ainda é imensamente imperante no imaginário social. Padres, pastores, cantores cristãos, são verdadeiros ícones da cultura pop. Há um crescimento considerável de vertentes espirituais não-cristãs como o Budismo e o Islamismo. Mas o Cristianismo ainda monopoliza o cenário de influência. E o que é pior, o seguimento que mais cresce no Brasil é o neopentecostalismo. Fundamentalistas, fideístas, os neopentecostais assumem grande parte do cristianismo atuante no Brasil. Por certo a mídia é o grande instrumento de influência e dominação das igrejas neopentecostais e, também, católicas. A Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo; a Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares; a Igreja Renascer em Cristo, de Estevam Hernades e, agora, o novo fenômeno do fideísmo no Brasil, a Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdomiro Santiago, constituem verdadeiros fenômenos de religiosidade cristã. Prometendo milagres, curas, prosperidade financeira e até ressurreição, essas igrejas configuram-se em verdadeiros impérios econômicos. É indubitável a influencia da igreja cristã – católica ou protestante – nas resoluções do Estado no Brasil. Nossa moral não é, e jamais foi, uma moral laica. O ateu ainda representa, no imaginário brasileiro, o homem sem valores, descrente, sem esperanças. Assim, diante de excessivas evidências, há mesmo como supor a morte de Deus? Há mesmo como postular a obsolência da religião? Há muito desconfiei que a morte de Deus e a obsolência da religião são fatos constatáveis apenas para filósofos, sociólogos, cientistas sociais. Para o povo, a massa, a coletividade, Deus está vivo, atuante. E segue, ativamente, sua lógica da influência, da interferência no mundo humano. Sim, Deus não está morto. A religião é a mais atual das forças ancestrais do imaginário humano. Assim, creio que torna-se necessário um ateísmo crítico, engajado, militante, que considere a urgência de uma nova análise do fenômeno religioso na sociedade contemporânea.